segunda-feira, 29 de junho de 2015

uma visita.

Tony assiste televisão no meio da madrugada, sentada no chão, ao lado do sofá. A ladainha de uma fala qualquer e incessante preenche todo o espaço. Faz frio. Noah a cobre, mas não é percebido por ela. Sinos. Um sapato que cai no chão. Um barulho. Um susto. É o sapato de Noah. tony olha pelo corredor e vai atrás de não sabe o que até que é levada por um toque, que mais lhe parece uma brisa doce. E ela se entrega, feliz. Ela conhece aquele toque, entende aquele sopro. Se entrega mais. Ri. Como é gostoso dançar sem música, dançar de ar e... Noah. É ele. Ele, enfim. Mas o que? Alguma coisa sobre as cebolas, ele diz. Não. Não, não. As cebolas não. "Me deixa fingir, Noah. Me deixa fingir!" Ele se assusta, senta. Ela, da raiva, chega a implorar. "Me deixa fingir, Noah... deixa? Deixa..." E se aninha perto do filho.

sobre meus percalços com tony

é difícil. tem sido difícil. e fico dizendo pra mim mesmo que é normal ser difícil. mas fico feliz porque entendo que a cada dia eu realmente estou tentando alguma coisa diferente: uma preponderância na apatia num dia, um peso maior no sofrimento em outro, uma rigidez maior aqui, uma secura mais intensa ali. é como se eu estivesse investigando um pouquinho cada uma dessas energias, sem avançar muito nelas, como quem tateia um campo novo, como quem coloca a ponta do pé na água pra sentir se está muito fria.

li isso alguma vez em algum canto: ao me aproximar de tony, sinto como se provasse um calçado apertado, que incomoda e machuca mas que com o uso vai se moldar às minhas próprias formas.

já entendi que ela não precisa sofrer. que ela não precisa ser coitada. que tudo isso, além de não ser o seu lugar, a enfraquece como personagem. é preciso entender que ela pode não ser legal. ela não precisa agradar. preciso desvitimizá-la para mim mesmo, e começar a trabalhar a partir de outros lugares.

além disso, quero começar a experimentar reter mais as emoções. é como se, até agora, eu estivesse deixando meu corpo ser transbordante de emoção, com ele jogando solto o que sente. aos poucos, quero começar a retê-las mais. acho que vai pra além da própria interpretação, que é uma medida certa entre monstrar e esconder: a própria tony tem disso (o velho papo sobre sua dialética no último post).

quando li a mensagem ontem, senti muita pena de não termos tido encontro hoje. mas esse momento de parar para organizar as sensações e as criações também está sendo muito bom, bastante construtivo. fico ansioso para que a sexta chegue logo...

sai daqui e não volta sem o meu filho.

Tony assiste televisão enquanto se desmilingue no sofá. Renne entra. Tenta consertá-la; ela se desmilingue. Conserta-desmilingue, conserta-desmilingue, conserta-desmilingue. Tony se desvencilha dele (por que?), se recompõe e vai em direção ao quarto de Noah. Ele não está. Volta exasperada: "Renne, o Noah não tá no quarto, Renne. O Noah não tá no quarto dele." Ele tenta detê-la. "A gente precisa fazer alguma coisa, Renne". Ele diz que o filho está no colégio, ao que ela se tranquiliza. Tudo bem, então. Podemos aproveitar para acertar os planos da festa de aniversário intergalática. "Eu vou precisar conseguir uma fantasia de ET que caiba em você! Imagina, Renne, eu e você vestidos de ET?" E precisamos também pensar nos balões verdes, e nas bebidas. "Não dá pra ter só whisky, Renne!" E aqueles copinhos de marciano que ela viu no Centro, que são caros mas que o Noah vai ficar doido. Renne continua embarcando, até que Tony diz (provoca?) que vai buscar o filho no colégio, assim eles podem conversar os três. É isso. Ele não deixa, se interpõe no caminho e pergunta dos remédios. "Eu não quero remédio, Renne. Eles não dão conta." Seca e certeira, mas a secura não vem de descaso; pelo contrário: vem de uma objetividade carregada de uma absoluta necessidade. "Eu quero o meu filho, Renne. Eu-quero-enterrar-o-meu-filho. Eu nunca te perguntei, Renne, onde você tava, que horas você ia voltar, o que você tava fazendo. Mas agora eu quero saber, Renne. Agora eu preciso saber." Renne murmura algum pedido infame de desculpas, enquanto seu corpo se desfaz em direção ao chão. É o ápice da inversão de papeis, de uma crueldade que a alimenta. "Vem, Noah, vem ver seu pai caído no chão. Você não consegue nem chorar, Renne. Chora, chora que eu quero ver." Recompõe-se, mas agora é diferente. É para si mesmo. Ela disse o que precisava. Volta à televisão.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Corrida _ ensaio 22/06/2015

Eu só consigo correr.
Não consigo pensar em outra coisa para fazer aqui.
Estou exausta.
Isso não é brincadeira.
Eu quero parar de correr e inventar.
Fazer outra coisa.
Alguma coisa diferente.
Que me renove nesse espaço. Nesse tempo.
Mas a única coisa que consigo fazer é correr.
Sempre tive liberdade para correr por ai, mas nunca corri.
Não no sentido real.
Mas aqui, não consigo parar de correr.
Parece que é na corrida que eu encontro atividade com sentido. É onde encontro algum tipo de liberdade.
Eu só consigo correr.
Não consigo pensar em outra coisa para fazer aqui.
Estou exausta.
Isso não é brincadeira.
Eu quero parar de correr e inventar.
Fazer outra coisa.
Alguma coisa diferente.
Que me renove nesse espaço. Nesse tempo.
Mas a única coisa que consigo fazer é correr.
Sempre tive liberdade para correr por ai, mas nunca corri.
Não no sentido real.
Mas aqui, não consigo parar de correr.
Volta.
Preciso de ajuda.
Preciso de um sentido para estar aqui.
Eu não consigo parar de correr.

Sobre partitura da corda

Só se ouve.
Respirações e tentativas de fala.
Ela corre. Para.
Tensa, levanta as mãos.
Respiração ofegante.
Um tiro.
A mão vai ao peito.
Caminha. Trêmula.
Tem suas mãos amarradas.
Perde suas referencias. Cambaleia. Totalmente sem equilíbrio.
Olha para lá, olha para cá.
Olha para lá, olha para cá.
Encontra os seus. Seus o que?
Vê seu passado próximo. Memória.
Tenta falar. Tenta gritar.
Apenas onomatopeias saem de sua boca.
Tem sede. Lábios secos.
Desmaia.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Composição Renne e Tony

Renne entra transtornado pela visão do filho morto;

Tony vê TV, desabando o corpo anestesiado;

Renne busca aprumá-la freneticamente, agarrando-se à última espécie de controle que acredita ainda possuir - Tudo o mais ruiu, que ao menos isto se mantenha como deveria;

Tony vai ao quarto de Noah - ele não está lá;

Renne tenta acalmá-la, violentamente a joga contra a parede e diz que Noah está na escola;

Tony aproveita a chance para discutir a festa de aniversário - fantasia, balões, bebidas, copos de ET - e quer sair para buscar o filho no colégio;

Renne a impede, em apoios e contrapesos, e pergunta se ela já tomou o seu remédio;

Tony o empurra e friamente o confronta - Você matou o nosso filho e o jogou num valão. Eu não enterrei meu filho;

Renne pede desculpas e desaba no chão;

Tony chora um choro que é realmente seu pela primeira vez desde que o filho morreu.

domingo, 21 de junho de 2015

René

Um general lidando com a culpa de ter matado alguém que não devia.
Carne e Metal.
Duração.
Fluxo Interrompido.

As primeiras impressões que tenho deste homem são de crueldade. Vilania. Tintas Fortes, carregado no negro e no vermelho. Como não cair nesta armadilha do "vilão" e criar um personagem humano? Um pai. Um marido. Um homem.

Tenho buscado uma investigação através das primeiras diretrizes que me foram dadas há tantos ensaios passados. Quatro pontos cardeais que vêm me servindo de bússola: No Norte, a Culpa versus o Dever; no Leste, a Duração; no Oeste, o Fluxo Interrompido; e ao Sul, a Carne e o Metal fundidos. Ainda não senti que as possibilidades de pesquisa em cima desses 4 focos se esgotaram. Nem acho que elas vão. A duração das ações, interrompidas por rompantes e abandonos de força, deste ciborgue de carne e metal obcecado por cumprir seu dever e corroído pela culpa resultante disto meu parece um quadrante rico e poderoso. Um pai/soldado que precisou substituir a carne que dói pelo metal frio para seguir em frente. Mas a dor daquele, por mais que se combata, sempre prevalece à frieza deste.

Interessante reparar nas relações de poder e como elas têm se estabelecido: Com Noah, me parece uma relação igualitária; ambos são polos passivos e ativos ao mesmo tempo no jogo de poder, visto a cumplicidade ali existente. São parceiros. Com Toni, há uma relação mais dominante, um resquício do patriarcado, da "tradicional família brasileira". Com Leonor, apesar da óbvia relação opressor/oprimido, vejo-me dominado pela força desta mulher. Tenho medo dela. Do que ela representa. Com Alex, ainda não tive chance de investigar mais a fundo. Ainda não sei ao certo que relação é esta.

Acho curioso que, pelo menos nas improvisações até o dado momento, este personagem tão hierarquicamente superior aos demais, tão poderoso e opressor, seja ao mesmo tempo o mais frágil, o mais despedaçado.

Estou feliz com este desafio. De poder mexer com um sentimento tão perigoso que é a culpa. Que maluco estar feliz por isso, eu hein...

Por enquanto é isso o que acho do René. Sentei aqui e vomitei essas palavras, espero que tenha conseguido me expressar direito.

<3

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Primeiras sensações Noa


A criança que deseja uma festa de aniversário.
A criança que se interessa pela imensidão e a falta de contorno do mundo.
A criança que morre e ainda assim está lá, em carne, osso, respiração, agonia.

Estou a investigar este ser.

Este pequeno grande ser humano possui ternura, amor e também crueldade dentro de si. Ele ou ela, a criança, Noa. Quero dizer "criança" no sentido mais concreto - pra ele não importam os tais questionamentos sobre gênero, ele é pleno em si mesmo e aberto a experiências sensoriais. Fico feliz por estar enxergando isso agora. Nós é que somos hipócritas demais!!
Uma criança é um mergulho numa cachoeira. E isso se aproxima muito do que desejo enquanto artista: mergulhar, adentrar, deixar a pele respirar todas camadas da composição que estamos tecendo juntos. Quero estar entregue e deixar esse personagem agir, falar, repetir gestos, rir, chorar, ganhar concretude.

É complexo demais interpretar a infância, tenho medo, pode ficar na superfície.

Estou feliz com este presente, FELIZ é a palavra no momento. E MEDO é a palavra que vem quando penso o tamanho do desafio. A relação de Noa com a mãe e o pai começa a se delinear a cada improvisação (a vontade de se aproximar do pai; o desejo de seguir a "imagem" que o pai assume diante da família;  o pai parece ser mais parceiro que a mãe;  Com a mãe, o afeto vem de outro modo, de forma mais crítica. Noa conhece bem o jeito dessa mulher, sabe o que a faz rir e chorar, tem amor por tudo isto, um amor crítico e dependente - eles precisam um do outro, incondicionalmente). Na relação com a professora , me surgiram sensações como: respeito, admiração, amizade, receio, coragem. São cenas mais poéticas, talvez, não que sejam "românticas" mas podem ganhar uma outra dimensão, outra atmosfera.

As improvisações estão se tornando vivências muito necessárias para as relações entre estas figuras.  O elenco todo está experimentando sem receio, jogando com as diversas possibilidades pra depois entender o que fica neste trabalho.

Queria entender melhor esse "desejo da festa", ainda não consigo encontrar no meu corpo um lugar de onde venha esse desejo, por que uma festa, por que sobre ETs, enfim, são perguntas que fico me fazendo.  Isso não está muito claro nas minhas sensações até agora.

Vamos vendo.

Lu.



quinta-feira, 18 de junho de 2015

tony. to-ny. toní.

escrever sobre meu encontro com tony me parece quase cruel. me sinto um pouco exposto, como se tivesse me abrindo naquilo que ainda é por demais meu, mostrando aquilo que eu ainda nem sei o que é: que forma tem?, que cor tem?, que cheiro tem? não sei nem que palavras usar para começar.

mas é justamente por isso que acho que é legitimo, importante e necessário escrever. porque começo a achar que meu ponto de encontro inicial com tony não deveria vir de retenção, mas de explosão. explodir para depois reter. esse é meu desejo e é nessa direção que vou me desafiar. ou pelo menos tentar.

dito isso - que já é muito -, comecemos. acho que tenho que começar a entender tony por seu lugar mãe-mulher, em termos de sua essência. é engraçado como no texto ela não vive os outros personagens - apenas seu marido e seu filho. e acho que isso diz muito sobre sua vida. ao mesmo tempo, é preciso tornar também presente, nesse meu primeiro contato com ela, a sua dialética permanente entre mostrar/esconder, ser/parecer, desequilibrar/equilibrar etc. ainda não sei qual o par mais adequado, mas sei que ela ronda essa dialética constante. depois, será preciso também descobrir o momento em que, sozinha, não é preciso parecer, equilibrar, esconder - mas apenas ser. e, então, o que se é?

algumas referências me passam pela cabeça: as horas, requiem para um sonho, para sempre alice, mommy. nas primeiras imagens que me vieram à cabeça durante a leitura do texto, eu a via de cabelos bem pretos, curtos e um tanto lisos. pele bem clara e roupas também claras. e um ritmo lento. acho que ela é chique.

nota pessoal para não esquecer: aos poucos, ao longo do processo, estudar a relação dela com a tv; os diferentes estágios, as mudanças sutis. talvez seja o personagem com quem ela mais se relacione e, portanto, a relação que mais pode mostrar ao público quem (não) é essa mulher, em termos de dramaturgia das ações.

ufa, consegui. e nem foi tão doloroso como achei que seria. fico por aqui - agora até com uma certa vontade de voltar em breve a escrever ;)

terça-feira, 16 de junho de 2015

Mistério Leonor

A palavra que resume Leonor, até esse momento, é mistério.
Mistério pois a única coisa que sei é que ela sabe um segredo e está presa por isso.
Fico me perguntando sobre a vida dessa mulher. Ela tem família? Quais seus desejos? Ela quer sair? Ela tem medo de sair pois pode ser assassinada lá fora? Ela pode ser assassinada na prisão? Ela tem algum tipo de segurança de vida? Ela desejaria nunca ter descoberto esse segredo? Ela já falou para alguém mesmo? Se sim, para quem? Ela precisa protejer essa(s) pessoa(s) que também sabe? Ela ama alguém lá fora? 
Enfim, perguntas e mais perguntas é o que tenho sobre essa personagem.
Nessa fase de ensaios, sou uma espécie de jornalista frente a ela.
E ela corre...