terça-feira, 28 de julho de 2015

Confissão

Essa culpa me corrói. Me destrói. Me dói;
Eu não sei lidar com isso. Ninguém deveria ter que lidar com isso. Nenhum pai. nenhuma mãe. Desculpa.
Eu matei meu filho.
Minha criança.
Matei.
A culpa é minha.
Des/culpa.
Só que essa culpa não pode ser minha. Eu não tenho condições de existir repleto de algo e ausente de tudo, porque é assim que eu me sinto nesse momento. Meu corpo vibra, tomado por essa culpa, mas quando eu olho pra dentro de mim, tudo que eu vejo é o nada. O vazio. A ausência.
Repito: essa culpa não pode ser minha.
Essa culpa não deve ser minha.
Essa culpa não é minha.
Essa culpa é dela.
Essa culpa é da Leonor.
Pronto. Agora que eu descobri de quem é, a quem pertence de fato esse veneno que tá me corroendo, ei só preciso arrumar um jeito de transferir esse vazio pra ela.
Ela precisa pagar pelo que fez.
A culpa é dela, não minha.
Não minha.
Vaca!
Ela me tirou minha criança e agora ela vai me dar outra.
Ela vai ser o receptáculo da minha porra e da minha culpa.
Quem sabe assim eu consigo preencher o que me falta?
Essa vaca vai me dar outro filho, outra criança. Meu Noah.
E depois disso ela morre.
Depois disso eu vou conseguir matar de novo.
Só mais essa vez.
Porque depois disso.
Depois disso, tudo vai ser diferente.

Composição Soldadinho de Papel

Todos os outros personagens em volta de mim, no escuro, estão segurando velas apagadas.
Acendo uma a uma e digo para aquela pessoa o que tenho vontade naquele momento.
Em seguida, apago sua vela.
Há uma certa calma na voz, quase um carinho, que potencializam ainda mais a crueldade de Renne.
Termino com Noah, colocando o chapeuzinho de papel em sua cabeça e pedindo desculpas.

Eis o que disse (ou pelo menos tentei dizer) a cada um:

Tony: Você já viu essa notícia no jornal de hoje? Legalizaram o casamento gay nos EUA. Acho uma pouca vergonha essa história de dois homens se pegando. Casamento de verdade é que nem o nosso. Um homem e uma mulher. É assim desde o início dos tempos, pra que mudar agora? Reclamam tanto da ditadura militar, mas tão aí agora com essa ditadura gay! pelo menos na nossa não tinha essa putaria toda. Cê não acha?

Alex: Eu acho que nunca vou entender você. Que porra é você? Menino-soldado-menina. O que é que você quer ser quando crescer? É melhor decidir logo, porque eu tenho uma novidade pra te contar, garoto/garota: você já cresceu. E eu continuo achando que eu nunca vou entender você.

Leonor: Já reparou que desse mundo de 5 pessoas, só eu e você somos uma coisa só? Todo mundo é dual, mas eu e você não. O macho e a fêmea. Opostos, e ao mesmo tempo, iguais. Yin e Yang. Você pra mim é tudo que há de mais errado nesse país. Então por quê é que eu não consigo deixar de me ver quando eu olho fundo nos seus olhos?

Noah: Meu criança. Desculpa o pai, tá? Você tá fazendo uma falta tão grande, minha filho. Eu que abri um buraco na sua barriga, mas quem tá com um vazio que não dá pra preencher nunca mais sou eu. Eu tô oco, criança. Me desculpa. Me desculpa. Desculpa o pai. Descul.

Composição Renne, Tony, Leonor e Noah (Dança)

Noah faz pirraça com Tony na parede do lado direito, enquanto Renne corre atrás de Leonor, provocando-a.
Noah bate na parede; Renne e Leonor param de correr; Tony e Renne falam ao mesmo tempo: "Não bate na parede!" (Renne para Leonor e Tony para Noah).
Noah e Leonor ficam de joelhos, testa no chão, Leonor ao centro e ao fundo e Noah à frente e à esquerda.
Tony e Renne se cruzam.
Tony fala para Noah parar de birra; Renne pede para Tony fazer alguma coisa, pois Noah está chorando de dor.
Renne ajoelha-se ao lado do filho, mão no abdômen dele, estancando o sange; Vê o sangue nas mãos; Arruma o corpo do filho e joga-o na vala.
Renne desaba.
Leonor canta. Renne canta. Noah canta. Tony canta. Dream a Little Dream of Me, claro.
Renne levanta, frágil.
Tony pede pelo filho.
Renne se aproxima, Noah, entre os pais, o afasta.
Renne ajoelha e pede desculpas.
Tony e Leonor sentam ao fundo, em espelhamento uma da outra.
Noah e Renne conversam em "intergalactiquês"
Renne e Noah ouvem algo lá fora.
Noah sente o tiro, Renne o acalma: "passou, passou".
Juntam-se todos ao fundo.
Renne desaba, bate a cabeça na parede.
Noah se afasta e volta a cantar.
Leonor e Tony dançam.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

composição ----

COMPOSIÇÃO  ----

[Um método para revelar a nós mesmos pensamentos e sentimentos (sensações) escondidos sobre o material].

EU, ATOR.
ELE, PERSONAGEM.
NÓS, corpo.

O objetivo é desenvolver uma composição a partir do confronto ATOR x PERSONAGEM. Selecionar, articular e arranjar os componentes da lista que segue, transformando-os numa apresentação cênica de, no máximo, 03 minutos. A mesma deverá ser apresentada pelos atores no ensaio do dia 17 de julho de 2015.

A lista se transforma num modo de remisturar o mundo, quase colocando em prática aquele convite de Tesauro a acumular propriedades para fazer brotar novas relações entre coisas distantes ou, em qualquer caso, para colocar um TALVEZ sobre aquelas já aceitas pelo senso comum.
Umberto Eco, em A VERTIGEM DAS LISTAS

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Lista ----

ANTES DE TUDO, RELEIA SEU CADERNO DE CRIAÇÃO E A DRAMATURGIA
  

01 ___ GESTOS PSICOLÓGISCOS e GESTOS SOCIAIS investigados no ensaio 06/07/2015
http://issoeumconvite.blogspot.com.br/2015/07/gestos-psicologicos-e-gestos-sociais.html

02 ___ POSTAGEM “ENSAIO #01” 

03 ___ COMPOSIÇÕES #01

RÚBIA --- http://issoeumconvite.blogspot.com.br/2015/04/composicao-1-respiracao.html
obs.: cada ator usa, como referência, a sua composição.

04 ___ UM OBJETO

05 ___ UM SILÊNCIO

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Lembrando que não precisamos dar conta de tudo. A lista é um referêncial. São modos de criar pensamento e fisicalidade sobre o que estamos pesquisando. É processo, experimentação.  É importante selecionar, escolher um recorte. São possibilidades. É meio, não fim.
{LER POSTAGEM “O ATOR-BRICOLEUR}




arrasem! errem!
pesquisem!
isso é um convite!
até lá!

davi ---

Gestos psicológicos e gestos sociais ----









quarta-feira, 8 de julho de 2015

ATOR-BRICOLEUR --- Por Flávio Souza

ATOR-BRICOLEUR ---
Por Flávio Souza

O bricoleur é um conceito apresentado pelo antropólogo belga Lévi-Strauss, em seu livro “O pensamento selvagem” (1989), onde afirma que :


O Bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas porém, ao contrário do engenheiro, não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias-primas e de utensílios concebidos e procurados na medida de seu projeto: seu universo instrumental é fechado, e a regra do seu jogo é sempre arranjar-se com os “meios-limites”, isto é, um conjunto sempre finito de materiais bastante heteróclitos. (LÉVI-STRAUSS, 1989: 33)

Trabalhar com a bricolagem pressupõe produzir um objeto novo a partir de fragmentos de outros objetos, no qual se podem perceber as partes ou pedaços dos objetos anteriores. A ideia de que “isso sempre pode servir”, de selecionar, de destacar do resto aquilo que meu imaginário já elabora inicialmente de alguma forma, percorre a prática da bricolagem. Agregamos a esta prática o exercício de desenvolver “maneiras de lidar com”, desmontar, recompor. Caracteriza-se, assim, o bricoleur como aquele capaz de adaptar e de utilizar no seu trabalho quaisquer materiais encontrados, assimilando, re-elaborando e propondo que determinado material sirva na construção de outra categoria de objeto.
Mesmo estimulado por seu projeto, seu primeiro passo prático é retrospectivo, ele deve voltar para um conjunto já constituído, formado por utensílios e materiais, fazer ou refazer seu inventário, enfim sobretudo entabular uma espécie de diálogo com ele, para listar, antes de escolher entre elas, as respostas possíveis que o conjunto pode oferecer ao problema colocado. Ele interroga todos esses objetos heteróclitos que constituem seu tesouro, a fim de compreender o cada um deles poderia significar. (LÉVI-STRAUSS, 1989: 34)

O conceito de bricolagem comporta intrinsecamente uma operação lúdica. O artista que trabalha consciente da tarefa da bricolagem deve estar conectado com seu interior, ser apto a responder prontamente e apropriar-se do que lhe foi dado, gerando um novo produto, uma produção artística calcada na experiência pessoal. O produto gerado pelo bricoleur de alguma forma mostra um pouco do que é o artista, pois o objeto criado é uma forma de comunicação com o mundo, expondo seu universo lúdico, seu imaginário e sua capacidade de articular discursos distintos.

A arte se insere a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico, pois todo mundo sabe que o artista tem, ao mesmo tempo, algo do cientista e do bricoleur: com meios artesanais ele elabora um objeto material que também é um objeto de conhecimento. (LÉVI-STRAUSS, 1989: 38).


O “ator-bricoleur” agiria, portanto, como um artesão que, se apropriando e transformando o material que chega até ele em expressão teatral profundamente ligada com sua natureza, é também capaz de responder aos estímulos a partir de seu inventário pessoal e elaborar algo novo a partir de vários materiais distintos. O ator não abandona sua formação, sua história pessoal, sua memória nem as analogias possíveis que o estímulo dado lhe provoca. Tecnicamente, a busca seria por uma capacidade de resposta imediata do corpo e dos procedimentos técnicos disponíveis de cada um: a prática do improviso, do jogo e da contracenação. O “ator-bricoleur” desenvolve o seu discurso sem compromisso com uma unidade totalizadora, nem com a elaboração de uma narrativa linear.
O corpo do ator pode ser considerado aqui também como amálgama dos diversos materiais a serem combinados para formar a obra. O que podemos destacar então como material nesse caso? Matteo Bonfitto (2002) elabora o conceito de material, a partir de Aristóteles, entendendo que:

(...) o que causa a transformação da matéria em material é justamente a aquisição, por parte da matéria, de uma função que contribui para a construção da identidade do objeto do qual é parte constitutiva. Portanto, por material pode-se entender qualquer elemento que adquire uma função no processo de construção da identidade do próprio objeto. (BONFITTO, 2002: 17)

O bricoleur pode perceber nas coisas ao seu redor tudo o que potencialmente venha a se tornar material para o seu trabalho. O ator-bricoleur igualmente entende o que pode se tornar material para a construção do seu trabalho artístico. Desenvolve a capacidade de dar uma função para determinado aspecto do seu trabalho, de modo que ele faça parte da própria identidade do trabalho artístico produzido. O corpo do ator se torna, então, como Patrice Pavis (2005: 139) coloca, o amálgama dessa justaposição, dessa mistura, dessa junção, dessa colagem de materiais diversos. O ator deve então compreender que a articulação do trinômio espaço/tempo/ação é a chave principal para se tomar a bricolagem como procedimento artístico.
Refletindo sobre procedimentos técnicos de trabalho, destaco então alguns elementos estruturantes da prática da bricolagem. Seriam eles: relação com o inventário pessoal, a apropriação, relação com o fragmento e a desconstrução e composição.

A relação com o inventário pessoal designa, a meu ver, algo além da relação do artista com a memória. A ideia de inventário pessoal abarca a relação do artista com todo o seu instrumental técnico adquirido ao longo do tempo, sua maneira de entender e perceber as coisas ao seu redor, a sua visão sobre o material a ser trabalhado, sua compreensão e também seu memória, seu passado e sua relação com ele. Lèvi-Strauss (1989) aponta que o primeiro contato do bricoleur diante de um projeto é uma atitude retrospectiva, uma volta a todo o seu arsenal e potencial de criação um contato direto com sua natureza criadora e criativa. A criação se daria no campo da percepção de como o material afeta o artista, que pontos em seu inventário são despertados e estimulados a desenvolver uma relação criativa e produtiva.


Fragmentar também é uma forma de organizar a cena onde podemos confrontar e ressaltar particularidades e significados do texto ou do tema. No trabalho do ator, a fragmentação pode ser um desafio técnico onde se passa com uma ruptura de uma coisa para a outra. Isso exige uma consciência daquilo que se deve fazer concretamente, quais ações e a elaboração física da cena. Exige uma consciência mais ampla, onde é preciso entender a criação a partir do que a justaposição dos fragmentos pode significar; a bricolagem pode ser aqui compreendida como o resultado final dessa colocação de um fragmento ao lado do outro.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Cozinha do ator - sobre Leonor

Não para, sempre há movimento.
Se não corre, anda. Se não anda, mexe o pé. Se não mexe o pé, mexe a mão. Se não mexe a mão, mexe o dedo. Se não mexe o dedo, mexe a língua. Se não mexe a língua, sua cabeça com certeza está em movimento.
Pesa. O peso pesa.
A luta é sempre por não desistir.
O corpo lutando para o corpo não cair. Para a cabeça não explodir.
Tenta ser girafa, mas está uma medusa.
O sapato machuca. Não há meias. Seu calcanhar está em carne viva.
Sua roupa fede pois não há condições para um bom banho.
Seu cabelo virou uma mistura de lembrança de si e asco de sebo.
Uma prisão que não é apenas externa, mas em si mesma.

Corpos de Leonor

1) ANTES DO EVENTO TRÁGICO: a felicidade, a comunicação, o trabalho, a realização. Uma postura aberta, palmas das mãos para frente, boca entreaberta expressando a vogal A com um sorriso. Mão direita como quem informa algo que está escrito em um quadro negro e mão esquerda relaxada pronada à frente. Pés apontados para fora com pernas numa leve abertura.

2) DEPOIS DO EVENTO TRÁGICO: peso, tensão, necessidade de manter-se de pé. Com o corpo relaxado, os braços tentam puxar a cabeça para cima numa tentativa de levantar o corpo.

3) CORPO SOCIAL: medo, tentativa de afastar, mas uma positividade que se expressa pelo rosto. Joelhos levemente dobrados, mãos para frente na tentativa de parar alguém, dedos mais relaxados. Um rosto que TENTA expressar algo diferente do medo expresso pelo corpo.

4) CORPO ÍNTIMO: fim, fracasso, cansaço, sono que não se permite dormir. Deitada em posição fetal, a mão esquerda tampa os olhos e o cotovelo aponta para o céu. Mão direita tocando levemente as cabeças.

Antes da tragédia: corpo aberto, comunicativo.
Depois da tragédia: tentativa constante de se reerguer.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Grupo em dia frio - Composição

Mãe e Filho. Discutindo. Discussão entre Rene e Professora, simultâneo.
Um tapa na parede, de rebeldia, de pirraça. O choro vem na garganta. A raiva?
O choro é de morte. De tiro.
Agora morto, Noah é enterrado numa vala pelo próprio pai.
Agora morto, Noah encontra sua mãe no sofá de casa. Canta.
O pai chega. Noah está entre. Noah impede uma discussão, ele está entre um e outro, num mundo contraditório.
Ama o pai, tanto, tanto. Quer fazer carinho, quer brincar de ET, quer muito, quer rir tanto, quer ser importante, quer atenção.
Barulho na rua. Noah foi atingido. Sente a dor, porém silencia.
Um grupo de pessoas muito conhecidas, ligadas por um elo estranho, forma-se no fundo do palco. Noah caminha em direção a eles, quer se juntar. Quase dialoga com as mãos da professora, quase se acalma com o toque da mãe em seu ombro.
Noah afasta-se para observar, ele vê sua própria ausência transformando aquelas vidas.




O tempo cuida de tudo. Vai ficar bem.
Dançam e riem, sim, já podem sorrir pra esquecer a tristeza e a brutalidade que acometem seus dias.


A luz se apaga.


Lu